A confissão extrajudicial na visão do Superior Tribunal de Justiça
A injustiça em qualquer parte é uma ameaça à justiça em toda parte (Martin Luther King)
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Ouvir Notícia Pausar Notícia Compartilhar Priscilla Emanuelle – Advogada
Rejane Alves Arruda – Advogada e professora
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o AResp de nº 2.123.334, reformulou, de modo bastante sensível, os padrões de admissibilidade e de valoração da confissão em matéria penal. A novel interpretação nada mais faz do que corrigir uma distorção havida no quotidiano forense: a de tomar a confissão como um ponto de partida primordial para uma inevitável condenação.
Neste contexto, recorda-se que, segundo o art. 197 do Código de Processo Penal, não pode a confissão ser tomada como “a rainha das provas”, uma vez que, em sua valoração, caberá ao magistrado confrontá-la com os demais elementos do conjunto probatório, verificando se entre eles existe compatibilidade ou concordância.
Assim, como adverte a exposição de motivos do CPP, a “confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade”, de modo que todas as provas são relativas, não tendo, nenhuma delas, “valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra”.
E não poderia ser diferente, uma vez que, além de não existir hierarquia entre os meios de prova (testemunhal, documental, pericial, confissão, etc.), diversos são os fatores que podem levar uma pessoa a assumir a prática de uma infração penal, mesmo sendo inocente.
Assim, prestigiando o caráter eminentemente relativo da confissão, o Superior Tribunal de Justiça veio a entender que a confissão, quando colhida na fase de investigação, somente será admissível se realizada de modo formal e documentado, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial.
Isto porque é sabido que a confissão comumente é feita sem a presença de um defensor, fora de uma delegacia de polícia ou de um estabelecimento governamental e sem o mínimo respeito aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Sem contar com o fato de que, em se tratando de prisão, a vulnerabilidade pessoal e jurídica do preso, perante a força policial, sequer é considerada.
Com efeito, segundo estudo realizado por Jennifer Lacker, no curso da persecução penal, confere-se exacerbada credibilidade à confissão prestada na fase de investigação, ainda que se recorde que o investigado – justamente por não contar com uma defesa técnica e não estar dento de uma instituição pública e oficial – encontra-se muito mais suscetível à pressão, coerção ou, até mesmo, à tortura física ou psicológica. Por outro lado, em juízo, quando o acusado se encontra apoiado por defesa técnica e dentro de uma instituição estatal, o seu testemunho carece do mesmo nível de fiabilidade, sendo a retratação da confissão e a afirmação de sua inocência relegadas a segundo ou último plano.
Ademais, o fato de haver uma confissão na fase pré-processual pode levar a um menor empenho na melhor investigação do crime, como demonstrado na pesquisa empírica conduzida por Michel Misse que avaliou inquéritos policiais de 5 capitais brasileiras. Pelos dados colhidos, observou-se que a confissão do suspeito foi o mecanismo empregado em 80% das investigações, sendo realizadas poucas diligências externas e perícias técnico-científicas; tal realidade indicou que o direcionamento da investigação privilegia a prova testemunhal e a confissão em detrimento de outras provas ou elementos de informação.
No âmbito internacional, existe um número preocupante de casos de réus confessos que, mesmo depois da retratação da confissão, foram condenados e, às vezes, até sentenciados à morte, sendo que somente mais tarde acabaram por ser exonerados de culpa por exame de DNA ou outras formas de evidência irrefutável (Bedau & Radelet, 1987; Leo & Ofshe, 1998; Scheck, Neufeld, & Dwyer, 2000). Por outro lado, pesquisadores do The Innocence Project também descobriram que, aproximadamente, um quarto de todos os casos de exoneração por Exame de DNA continha confissões, totais ou parciais, aparentemente falsas.
Embora a posição assumida pelo Superior Tribunal de Justiça reflita uma preocupação com a real eficácia dos direitos e garantias fundamentais, chamando a atenção para a importância de uma colheita de provas que, de modo lícito e legítimo, possa vir a suplantar a presunção de inocência de todo acusado, adverte-se que nem todas as injustiças serão corrigidas. Isto porque, para manter a segurança jurídica, os ministros limitaram a aplicação dessas teses a fatos ocorridos a partir do dia seguinte à publicação do julgamento no Jornal Eletrônico de Justiça.